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“Pílula do câncer”: fosfoetanolamina reaparece em uniforme de time de futebol

Atualizado: 22 de abr. de 2023

Presidente do Futebol Clube Cascavel também é dono de empresa que deseja revitalizar a controversa substância





Por Chloé Pinheiro


No início do ano, nosso produtor e faz-tudo Felipe Barbosa estranhou um detalhe na camisa do time paranaense Cascavel, na Copa São Paulo de Futebol Júnior. Observando os vários patrocinadores estampados, um chamou a atenção: a Fosfo 500.



Pesquisando na internet, ele descobriu que Fosfo 500 é um suplemento alimentar à base de fosfoetanolamina, a protagonista do primeiro episódio do Ciência Suja, “A pílula do câncer”. Em resumo, ela foi distribuída como a suposta cura de todos os tipos de câncer, mesmo sem qualquer evidência – pelo contrário.


Cada cápsula da Fosfo 500 contém, segundo os fabricantes, 400 mg de fosfoetanolamina, 60 mg de carbonato de cálcio, 39 mg de carbonato de magnésio e 1 mg de carbonato de zinco.


O produto não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), assim como qualquer outro à base de fosfoetanolamina. Apesar do site em português e da possibilidade de exibir o preço em reais, a comercialização do produto não é autorizada no Brasil.


Ele é fabricado e vendido pela empresa All Ways no Paraguai, cuja fronteira fica próxima à Cascavel. Pelas regras da Anvisa, brasileiros podem importar o produto mesmo sem registro, que também é exportado para Estados Unidos e Europa. Um dos sócios da All Ways é o presidente do Cascavel, Valdinei Silva.


Em conversa com o Ciência Suja, Silva contou que começou a fabricar a fosfoetanolamina por sugestão de um amigo médico, também de Cascavel. “Fizemos investimentos na casa dos 5 milhões de dólares para criar um laboratório de síntese da molécula”, conta.


Ele também revela que a ideia é usar a fosfoetanolamina como “carreadora” das outras substâncias presentes no suplemento (zinco, magnésio e cálcio) para melhorar a imunidade. E ressaltou que seu produto “não tem nada a ver” com a fosfoetanolamina desenvolvida no laboratório do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo.


“Nossa pegada é comercializá-la como suplemento esportivo, por isso a ideia de colocar na camisa do Cascavel”, completa. Silva rechaça qualquer associação com câncer e pretende que o Fosfo 500 seja o primeiro de uma série de outros produtos, que levarão a fosfoetanolamina e outros nutrientes. Há a possibilidade de criar até uma linha para animais, a “Fosfo Pet”.


O problema é que não há estudos criteriosos em humanos atestando benefícios da fosfoetanolamina para a saúde. “Continuamos sem qualquer motivo para acreditar que ela traga algum benefício para o organismo, mas temos brechas na legislação que permitem que substâncias como essa entrem no país”, aponta o químico Luiz Carlos Dias, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


A história da fosfo e seu uso como suplemento


A substância ganhou fama no Brasil depois de ter sido distribuída gratuitamente no Instituto de Química de São Carlos sob a alegação de curar “todos os tipos” de câncer. O frenesi em torno do composto chegou ao Congresso Nacional, que aprovou uma lei para liberá-lo a despeito da falta de comprovação de sua ação. A lei foi sancionada pela então presidente Dilma Rousseff, mas foi vetada na sequência pelo Supremo Tribunal Federal (STF).


Com o tempo, pesquisas em seres humanos mostraram que a história não tinha nenhum lastro na ciência. A fosfo não funcionava contra o câncer, mas isso não impediu sua sobrevivência. Anos depois, ela passou a ser vendida como suplemento alimentar, e ainda envolta em escândalos.


Os suplementos, aliás, são menos regulados pelas autoridades sanitárias. Não é preciso apresentar estudos clínicos (feitos com humanos) comprovando eficácia e segurança de produtos. Dias, da Unicamp, chegou a testar cápsulas de outras marcas e descobriu que algumas sequer continham fosfoetanolamina.


No caso da Fosfo 500, o produto foi avaliado em animais (roedores e coelhos), sob a orientação do farmacêutico Emerson Luiz Botelho Lourenço, especialista neste tipo de análise da Universidade Paranaense (Unipar).


Afinal, teria algum benefício?


Botelho afirma que foi contratado apenas para essa análise e que desconhece a origem da fórmula e seu processo de síntese. “O que posso afirmar é que o produto é seguro em animais e que, nos testes com animais, verificamos seu efeito no sistema imunológico deles”, conta.


Perguntamos mais sobre esses testes: “Em resultados prévios com animais, ela melhora o metabolismo das citocinas que reduzem a inflamação, impedindo que as citocinas pró-inflamatórias sejam expressas”, responde Lourenço.


Citocinas são moléculas que mediam inflamações pelo corpo. Os achados mencionados por Botelho não estão publicados em artigo científico, mas foram encaminhados à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).


Cabe destacar que, para o registro de suplementos alimentares, basta realizar testes de segurança em animais. Mas para alegação de benefício em humanos e efeito terapêutico, a história é outra. Análises em cobaias são parte do processo, não uma resposta definitiva.


“Para fazer uma afirmação de benefícios na imunidade ou em marcadores inflamatórios, seria preciso conduzir estudos em humanos, com randomização e comparação com um grupo tomando placebo”, aponta Dias.


Apesar de reconhecer a falta de evidências científicas favoráveis à fosfoetanolamina, Botelho é otimista: “Nós temos evidências preliminares positivas, mas é preciso fazer vários trabalhos para provar que ela poderia ser usada como medicamento”.


Dias, que acompanhou a história da fosfo de perto, tem outro ponto de vista. “Me preocupa que isso seja utilizado sem acompanhamento, porque não sabemos nem se o uso constante e prolongado pode ter algum efeito colateral”, argumenta.


Outro temor do químico é o de que, pela fama que a fosfoetanolamina alcançou no país, suplementos à base dela sejam usados como supostos tratamentos para o câncer – mesmo se o fabricante não escrever isso na embalagem. “É proibido fazer a associação da fosfo com o câncer, mas, nos grupos onde ela é propagandeada, esse ainda é o carro-chefe”, alerta Dias.


A equipe do Ciência Suja monitora um grupo de WhatsApp com o título “FOSFOETANOLAMINA”. Lá, diferentes suplementos à base dessa substâncias de fato são divulgados como aliados contra o câncer. Há promotores que os vendem, inclusive.


Dias destaca que a Anvisa deveria se manifestar novamente a respeito. “Não existe nada que justifique a venda desses suplementos como algo que pode fortalecer a imunidade ou promover a saúde. Essa é uma situação que vai trazer ainda mais confusão para pessoas em tratamento do câncer”, analisa.


O presidente do Cascavel, Valdinei Silva, informou que está em tratativas para obter a autorização da Anvisa para a comercialização no Brasil.


A reportagem apurou que a negociação está ocorrendo com o apoio da Belcher Farmacêutica, empresa que foi investigada na CPI da Pandemia por negociações suspeitas de compra de vacinas.



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